domingo, 21 de abril de 2013

Não se brinca com a comida. Publicidade intelignete e alimentação questionável.

Seus filhos comem fast food? Você come? Esse tipo de rede foi criado para otimizar sociedades, auxiliando o menor período de almoço dos trabalhadores. Uma ótima jogada econômica. Bem, esse é o princípio. Então, se você está sem tempo e faz um lanche em uma rede como o McDonald’s, a função real se cumpre. Ué, você come por que acha gostoso? Acha mesmo? Antigamente ninguém achava, comia para não perder tempo. Será que os produtos foram se sofisticando e ficando mais saborosos ou o público é que foi adaptado aos sanduiches de caixinha? Um pouco dos dois. Mas não se engane, há um esforço muito maior para treinar sua boca do que para melhorar os produtos. 

Neste domingo, 21, A Fundação Procon-SP decidiu manter uma multa de R$ 3.192.300,00 à rede McDonald's. A punição veio depois de uma denúncia feita pelo Instituto Alana, ainda em 2011, que questionou a venda de lanches respaldada por brinquedos e publicidade voltada ao público infantil. Não existe uma legislação tão específica que cubra esse tipo de caso, mas a decisão foi tomada a partir de um parâmetro bem claro do Código de Defesa do Consumidor, que aponta o “estímulo de hábitos não sadios pela propaganda” como irregular no artigo 37, parágrafo 2. 

Segundo o instituto, a rede McDonald's mantem práticas para pungir a formação de valores distorcidos em crianças, como o materialismo excessivo e hábitos alimentares insalubres. A empresa responsável pela rede no território brasileiro, Arcos Dourados Comércio de Alimentos, tentou recorrer, mas não conseguiu nada além de atrasar o processo. A multa foi aprovada em esfera administrativa e agora só pode ser contestada judicialmente. 

Estamos diante de um assunto complicado. Quando vamos falar de qualquer tipo de consumo que envolva o público infantil, presume-se que este grupo seja hipossuficientes, ou seja, que não tem capacidade de agir por si. As crianças são tidas como vulneráveis e facilmente influenciáveis por sua condição intelectual ainda desestruturada e flexível. Por tudo isso, as crianças são sempre legalmente protegidas. 

Ao utilizar uma tática mercadológica tão pesada para incentivar o consumo de alimentos maléficos à saúde, pode-se dizer que o McDonald’s está se esforçando para criar valores disformes nas nossas crianças e futuros cidadãos a partir da má alimentação (tendo em vista o quanto isso dura, nossos hábitos alimentares já foram corrompidos há tempos). A inadequação do cardápio desse tipo de lanchonete é incontestável. Os produtos das redes de fast food costumam ter uma taxa elevada em sal, gordura e açúcar, o que os torna, naturalmente, hipercalóricos. Ainda que uma criança ou adulto não necessariamente engorde consumindo recorrentemente esses alimentos (por pouca tendência ou outros hábitos saudáveis), certamente suas taxas sanguíneas são comprometidas. 

Para resistir à comprovada falta de compromisso com sua publicidade, vinculada à reeducação alimentar, há alguns anos o McDonald's passou a também vender seus brinquedos sem a necessidade da compra do lanche (por um preço bem salgado, quase relativo ao do pacote completo). Essa medida foi uma forma de se adequar legalmente. Em seus comunicados sobre o assunto, afirmar que a venda pode ser feita sem o consumo do alimento parece ser suficiente. 

A tática é conhecida como “reforço”. É como se a empresa falasse à criança “se você comer isso, o brinquedo vai ser seu”. Muitos pais usam esse esquema de recompensas para estimular seus filhos a comerem alimentos saudáveis e se habituarem a isso. Mesmo com a boa intenção, tal prática é muito questionável por se assimilar ao adestramento. No caso do McDonald's e empresas do tipo, a lógica é a mesma (“coma e ganhará um brinquedo” ou “Vá ao McDonald’s porque é lugar de comida pra criança”), porém o estímulo é de um consumo notoriamente nocivo. E não é só com brinquedos e brindes que se faz isso. Essas marcas apostam em embalagens criativas, atraentes e dinâmicas (que se assemelham às caixas de presentes), heróis da moda e até premiações relacionadas aos alimentos. Aos poucos, consumir aquele lanche vira um anseio, mas passa a não ter nada a ver com fome. Essa inversão de valores e manipulação de sentimentos é usada indiscriminadamente com todo tipo de produto. A ideia é fazer você acreditar que está comprando por uma necessidade, que na verdade não existe. Cá nos deparamos com a indústria das ilusões de prazer e realização. 

Claro que, se hoje o consumo é explosivo, isso começou com o aumento do mercado publicitário, que hoje está vinculado a praticamente tudo que podemos ver ou sentir. Criada no século XV, na Inglaterra, a lógica propagandista visava disseminar assuntos religiosos. Desde então, seu desenvolvimento foi avassalador, caminhando ao lado dos meios de comunicação destinados à massa (começando por panfletos e jornais periódicos até chegar à internet-móvel). Essa corrida incessante foi uma consequência da Revolução Industrial, integrando o as chamadas Revoluções Burguesas, quando o capitalismo deixou o comercial pelo industrial. 

O auge do desenvolvimento publicitário foi alcançando durante o início do Século XX, com o crescimento dos mercados produtores e consumidores em todo o globo. Nesse período a população mundial se descobriu havida por todo tipo de consumo. Somos até hoje. Aos poucos, os mecanismos publicitários vão conduzindo a sociedade. Sendo eles capazes de tudo isso, fica clara sua responsabilidade na alteração diversos hábitos que eram cultivados por muitas sociedades. Tudo isso justifica o alto investimento de qualquer negócio no campo publicitário. 

Não há vontade e nem muitos meios para se interromper esse processo, que já passou a ser natural, ainda que manipulado. Faz parte da lógica do sistema. A questão é quando esse trabalho afeta, de maneira grosseira e direta, as crianças. Como disse, no Brasil, essa problemática é posta dentro de um quadro jurídico de especial proteção da criança como consumidora. O tema é de suma importância para o nosso Direito. 

O poder da publicidade frente à formação do consumidor infantil preocupa, mas não vai desaparecer facilmente. Algumas pesquisas apontam que as crianças chegam a ser responsáveis por 70% das decisões de compra, e, pensando no futuro, representam fidelização para as empresas. Além disso, foi constatado que os pequeninos são responsáveis por 92% das escolhas nas aquisições em alimentos da família. A influência dos jovens entre sete e treze anos é apontada como “exagerada”. Obviamente, não sendo vista como um consumidor potencial imediato, a criança passa a ser tratada como um canal fortíssimo de comoção ao consumidor atual. Podemos observar esse apelo também na enorme quantidade de propagandas que envolvem imagens de bebês ou crianças bem novas com atitudes comoventes ou carismáticas (fofas). 

A cada ano uma quantidade inestimável de valores é movida para que se compreenda melhor o público infantil e, assim, o atinja comercialmente com roupas, brinquedos, alimentos, etc. A cada ano o conteúdo para essas crianças cresce e se torna mais descartável. 

A publicidade no campo dos alimentos estimula seu consumo excessivo e pode ser considerada responsável em grande parte pelo aumento da obesidade entre crianças. Com a popularização da informação, principalmente pela internet, as empresas produtoras de material nocivo tiveram que rever seus conceitos com a pena de perder o público. A saída foi apostar em uma tática muito antiga, mas que dá certo. Voltamos a ideia de vender mais do que só um produto, incluindo uma identidade ao consumo. 

As publicidades de refrigerantes, por exemplo, fazem associação de seu produto a uma vida feliz e saudável, da mesma forma que as extintas propagandas de cigarro assimilavam o fumo a uma vida ativa e aventureira. Na década de 1980, foi lançada a logo “Danoninho, que vale um bifinho”, o que fez com que vários pais desinformados adaptassem a alimentação de seus filhos, trocando a carne diária por um copinho da bebida láctea. No caso do McDonalds, temos personagens felizes e animados, brinquedos da moda e projetos como o McDia feliz, que reverte uma porcentagem mínima da venda de BigMc’s (principal produto da companhia) para o tratamento de crianças com câncer no Instituto Ronald McDonald (também é comum que estas empresas tenham instituições próprias de caridade). 

A publicidade que estimula o consumo exagerado de alimentos maléficos à saúde é a mesma que instiga padrões de beleza social, ou seja, desqualificando aqueles que estão acima do peso. Enquanto isso, segundo as pesquisas mais recentes, no Brasil existem mais de 44 milhões de famintos. Por outro lado, há 70 milhões de pessoas com o percentual de gordura bastante além do recomendado. 

O assunto é evidente demais para não ter respaldo no Congresso Nacional. Existem alguns projetos dedicados à publicidade infantil, mas nenhum deles pode ainda ser considerado efetivo. Em janeiro deste ano, foi aprovada uma lei municipal no Rio de Janeiro onde que prevê uma multa de dois mil reais por cada alimento que for comercializado com brinquedos. Em São Paulo, recentemente o governador Geraldo Alckmin vetou dois Projetos de Lei que tratavam da regulamentação da publicidade infantil. Um deles previa a proibição da venda de lanches com brinquedos e outro mitigava a publicidade para alimentos não saudáveis em horários comerciais para rádios e TV’s. 

O instituto Alana faz um ótimo trabalho cuidando da educação e defesa das crianças. Para saber mais, dê uma olhada em http://alana.org.br

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