sábado, 4 de maio de 2013

Torcida, Mídia e o #TalibãTricolorÉdaPaz

Começou como uma brincadeira entre torcedores e chegou a ser notícia internacional. O "Talibã Tricolor" acabou ganhando expressão e veias de movimento. A torcida do Fluminense Football Club se uniu para postar, pelas redes sociais, fotos de apoio e garra ao time que se aproxima de jogos decisivos. Inspirados no apelido já tradicional "Time de Guerreiros", os torcedores amarraram as blusas do time sobre seus rostos e tiraram fotos para, então, disseminar pela internet. Foram mais de três mil tricolores diferentes com as blusas sobre seus rostos só na primeira madrugada. O nome, "Talibã" (do movimento fundamentalista islâmico, mas que também significa "estudantes" em Pachto), veio de maneira natural, dentro da brincadeira. Se, por um breve cuidado, o título usado fosse outro, nenhuma polemica estaria instaurada.

Mas por que a polemica? De certa forma, um falso moralismo está pesando sobre a mídia, que tanto luta para se crer independente e livre. Por que será que podemos usar expressões como "guerra", "batalha" e "matador" dentro de campo, mas não o nome do movimento Talibã? Por que será que temos torcedores consagrados por se vestirem da Papa e até de Osama Bin Laden (não só torcedores, a fantasia do lider radicalista responsável pelo 11 de setembro se tornou motivo de diversão pelos carnavais e festas de todo mundo) e nenhuma polemica nasce? Pelo contrário, dizem que faz parte do espírito de alegria?

Por que será, então, que uma campanha simples, despretensiosa e espontânea causa tanto reboliço? A moral tenta às pressas enforcar a expressão popular, como foi sempre na história, mas é tarde. A brincadeira virou movimento e já perdeu suas arestas. Ninguém mais segura.

Claro que qualquer incitação ao grupo fundamentalista é terrível, mas de forma alguma essa menção deve ser punida ou mal vista. Foi um ato descuidado que caiu em efeito dominó. Talvez, se os criativos torcedores que iniciaram a brincadeira soubessem o peso que a mesma tomaria horas depois, teriam uma ideia mais segura para o nome, e menos cálida. Aí sim, a brincadeira perderia boa parte de sua espontaneidade para dar lugar à autocensura. Seria algo sério, planejado e sem graça. Na falta desse "cuidado", a censura veio de fora, na forma de dedos indicadores trêmulos que não sabem bem para que lado apontar.

Mas não estão também tantos comediantes lutando pelo direito de brincar com a tragédia e fazer dela motivo de risos? O que pode ser melhor do que transformar a água em vinho? O que a torcida do Fluminense fez, mesmo sem notar, foi dar a uma palavra que se tornou terrível um novo simbolismo, melhor. Brincou com uma situação sem vontade de incitar nada. Se meteu em um terreno arenoso, de fato... E agora vai ter pagar por sua brincadeira descuidada. Com toda sobriedade do mundo, após serem julgados, os torcedores adaptaram o movimento a um #TalibãTricolordaPaz (para quem pingo não é letra), mas já era tarde.

Até aqui, falo de coisas que nos escapam. O que acho intolerável é que alguns jornalistas venham se meter nessa história de forma parcial e amadora. Claro que estou tratando de Mauro Cezar, da ESPN. Parece que certos comentaristas esportivos se envolveram tanto com sua bancada que já não têm a noção do que é futebol e do que é torcida. Passam tanto tempo debatendo, sob pressão, claro, que já estão pensando menos e falando mais.

Como figura pública, Mauro Cezar (que de jornalista tem bem pouco) deu um show de canalhice ao insultar de forma pesada a torcida do Fluminense pela sua conta no twitter. O tolo comentarista não apenas xingou torcedores e torcedoras de "patéticos", "imbecis" e "burros" como projetou comparações hediondas da brincadeira virtual natural dos tricolores com movimentos violentos de outras torcidas, sempre organizadas. Ele ainda ridicularizou as mulheres tricolores afirmando que estas deveriam ler mais (curioso) e por algum motivo místico, tentou ainda insinuar sobre o Flamengo, também comparativamente, baseado nesses seus conceitos deturpados. Pena.

Me parece que alguém capaz de tecer comentarios dessa estirpe entende bem levianamente a política, a história, as pessoas, e, muito menos, o próprio Futebol. Que ironia.

Não é um caso isolado. Tenho certeza que essa brincadeira que, de tão intensa, como é a própria torcida, tornou-se movimento natural, ainda vai dar o que falar. A mídia esportiva não está preparada para as torcidas brasileiras, aprendeu a ter medo, e com certa razão. Por isso, observa de longe e vê tudo embaçado. Um belo exemplo é o caso dos aplausos da torcida do Cruzeiro para Neymar (que fez três gols no 4 x 0 do Santos em BH, ano passado). Nesse jogo, um evidente ato de protesto debochado ao próprio time foi forçosamente interpretado com otimismo por toda a mídia, como se a torcida adversária estivesse se rendendo ao "talento de Neymar". Ao recorrer ao seu direito de protesto na mídia, alguns torcedores foram apontados como "desrespeitosos" e "minoria". Veja bem... Esse caso ainda daria muito mais pano para manga do que o atual.

Será mesmo que essa nossa mídia esportiva-comentarista entende as torcidas ou só sabe dar pitacos sobre a bola na grama? Está na hora de pensar um pouco, se dedicar mais e estudar muito. Se as torcidas estão agindo de forma correta ou não, é outra história. Na verdade, apenas sabendo como interpretar suas ações os comentaristas e jornalistas esportivos poderão ter algum peso de mudança. Caso contrário são apenas vistos como bobos.

Sobre a atitude tomada pela direção do clube (da qual muitos reclamaram e chegaram a classificar como medida invejosa diante da campanha publicitária "natural") acredito que foi certa. Diferente da torcida, o Clube é uma instituição cheia de respostas a dar. Assumindo ainda seu papel de órgão sério, reconhecido internacionalmente, achou por bem não apoiar o movimento/brincadeira e ainda pedir seu fim (quem sabe se atendessem pelo menos a metade dos apelos da torcida, essa mesma devesse dar alguma moral a tal pedido). O Fluminense tem um nome muito grande e respeitado para se envolver em polemicas desnecessárias, que poderiam denegrir a instituição que, por sua vez, está trabalhando sua marca de forma internacional como nunca. Infelizmente, as palavras foram muito mal utilizadas por eles - que "repudiaram" seu próprio corpo - assim como foi descuidada a escolha da torcida. Bem, a direção já deu seu recado... Agora, que volte aos assuntos importantes (como discussão de arbitragem e liberação do Maracanã, por exemplo)...

Já os jogadores que participaram da brincadeira cometeram, claro, um erro, sobretudo por serem a imagem do clube em campo, mas são completamente perdoáveis. Entendendo o incentivo da torcida e o tom descontraído, decidiram se mostrar mobilizados por mais uma expressão de apoio irrestrito originalíssima da torcida. Erraram, voltaram atrás e ainda tiveram a sensibilidade de se aproximar da nação, coisa cada vez mais rara.

Ps.: Como comentou um jovem tricolor: depois de matérias internacionais tão preocupantes sobre o movimento, só resta o FBI começar a investigar os torcedores do Fluminense.