quinta-feira, 18 de abril de 2013

Com a bunda na prova. O feminismo rompante.

Nesta quinta-feira saiu o resultado da correção das notas obtidas na prova de Pós-graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Mariana Gomes, de 24 anos, tinha obtido o primeiro lugar no exame, mas depois do ajuste ficou em segundo. A ilustre desconhecida não pode se queixar, como não deveria qualquer outro em seu lugar. Primeiro porque está dentro de uma das melhores universidades do país com uma colocação ótima, segundo porque seu projeto “My pussy é poder – A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultura" rendeu mais do que uma pós. De acordo com a matéria publicada no portal g1.com, o projeto tinha como objetivos, por exemplo, desconstruir o funk como "o último grito do feminismo através das músicas de Valesca Popozuda, Tati Quebra Barraco, entre outras". Mariana Gomes se transformou em uma bandeira descartável do feminismo revisto, tornando alguns curtidores do Facebook quase devotos. Será que amanhã alguém se lembra dela? Bem, não vamos entrar nesse mérito.

O importante aqui é usar o caso como gancho. Acho muito feliz o fato de não ter havido preconceito na hora de selecionar o projeto da Mariana para a pós. Ainda assim, o tema é algo apelativo e não se sabe o quão boa sua pesquisa era (nem nunca vamos saber). Não penso que a escolha de primeiro ou segundo lugar para um projeto como esse deva ser vista como conquista, mas com naturalidade e segurança. O destaque causa certa exclusão. No caso dos projetos acadêmicos, toda pesquisa é válida. Qualquer assunto deve ser tomado como produtivo e comum, afinal, a utopia das pesquisas é acumular o máximo de conhecimento possível sobre o mundo, isso inclui aquilo que é tido por comum, incomum, de classes e até vulgar pela sociedade. Por fim, vale lembrar que a estudante está produzindo uma pesquisa, ou seja, não é ela quem afirma nada, mas os dados apurados e comprovados que a estudante vai colher a partir de agora. A dúvida efervescida pela pesquisa é: as poucas cantoras de funk são um movimento de libertação ou só uma tendência de mercado? Há mesmo de se idolatrar as cantoras que se expõem com o corpo, voz, sensualidade e sexo como feministas da nova era?

Vamos nos aprofundar um pouco mais no caso. Pensemos no tema e na comoção popular. Quais são nossos ideais de feminismo? Quais nossas medidas de protesto? As mulheres vêm conquistando seu lugar de direito na sociedade, há muito disputado. Em certo ponto a igualdade entre gêneros é impossível, assim como a igualdade entre pessoas também é. Cada um tem certa habilidade, certo comportamento e humor, da mesma forma que homens têm uma estrutura física e mental diferente da encontrada nas mulheres. Todos sabem muito bem disso. Nessa lógica, deveríamos potencializar o que há de melhor em cada um em vez de tentar sempre tomar o lugar do outro. Que fique claro que não estou tratando aqui de direitos legais ou jurídicos, mas de papel social. Na questão dos direitos, a importância da igualdade nem deveria ser questionada.

O papel da mulher mudou, e muito, nos últimos anos. Sem dúvidas isso é uma conquista. Mas será que vale a pena tratar ainda o assunto como tabu depois de tantos avanços? Será que vale a pena glorificar alguém que quebra paradigmas pelo simples intuito de chocar e mover seu nome sob o preceito do feminismo? E mais, há algum sentido feminita na perda de sensibilidade e humanismo forçada por músicas de puro apelo sexual, onde não só mulher, mas também homem é tratado como objeto e toda relação entre sexos como um jogo?

Não tenho nada contra a Valesca. Na verdade, acho cantora bem autentica e tudo mais, ainda que não não veja graça no seu estilo. Não a conheço tão bem, mas arriscaria dizer até que é uma boa pessoa. Mas também não acredito nela como um símbolo de libertação feminina (algo que a própria pensa ser). Que tal pararmos de colocar tudo em pedestais? Estarão comigo também os críticos dos apelos feministas comuns na Europa, aonde as mulheres (várias vezes contratadas) exibem todo seu corpo despido na tentativa de chocar e chamar a atenção para sua causa. Utilizar a libertação do “sagrado corpo feminino” à sociedade é basicamente o que as cantoras do funk ‘subversivo’ fazem. Os níveis de vulgaridade podem ser debatidos, assim como a própria vulgaridade, mas o princípio é o mesmo. Por que fazer isso na Europa é bonito e aqui não?

Não sou um ativista feminista, mas estou fortemente a favor das mulheres. Mesmo assim, penso que alguns tipos de protesto e mobilização não causam nenhum efeito prático e talvez nem tenham mesmo um objetivo profundo. A exibição banalizada do corpo feminino sem um propósito claro acaba servindo apenas para tirar sorrisos babados de machos infantilizados. A atuação da Valesca e cantoras do gênero é sim um fenômeno de libertação feminina e quebra de paradigmas, como tantos outros menos apreciados. Ela atingiu seu ponto ao conquistar um lugar que era visado apenas para homens, ainda que para muitos isso possa ser visto como uma nivelação bastante rasa. Se homens podem ser reis, mulheres podem ser rainhas; se eles podem cometer suicídio, elas também podem; se eles cantam funk e exibem letras de forte apelo sexual, querendo, elas também devem fazê-lo. Mas será que querem pelos motivos certos? Será que a mulher se engrandece fazendo isso?

O feminismo se alcança a partir de atitudes diárias, como está acontecendo e como qualquer grande mudança social acontece. O processo para o nascimento das cantoras de Funk também foi assim. Por que recorrer a casos recordados para construir gritos de guerra? Será que estamos passando por um período sem ídolos, sem exemplos e sem lutas, em que enfrentamos o mundo mais por necessidade que por ter metas? Será que não conseguimos enxergar os objetivos reais? Será que estamos carentes de ídolos ideológicos e nos rendemos às primeiras imagens borradas que se dizem de protesto por pura insegurança?

Então eu volto a falar da estudante Mariana Gomes. Ela, que virou uma bandeira, mesmo que no mundo virtual, e mesmo que temporária. É um exemplo, é uma boa história... É mais uma mulher lutando pelos seus direitos e tentando entender o mundo. Que mulher é essa, qual sua formação e sua ideologia, não nos cabe agora. É interessante lembrar que pessoas como ela existem e estão questionando modismos e estruturas. Mariana está fazendo seu papel pelo feminismo e pela própria cultura ao trabalhar por conhecimento novo. É algum tipo de heroína? Não mais do que qualquer estudante, pesquisador ou trabalhador honesto. Parabéns pelo ingresso na pós!

Esse assunto abre as portas para falarmos do fenômeno de classes, de cultura, do popularesco e elitizado, da arte, do papel social, de religião e até de evolução. Daqui a pouco vamos chegar à política e ao futebol. Paramos por aqui. O recado já está dado e, se for possível, reflita. Afinal, tudo nessa vida é feito para se pensar.

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